Me sinto nutrida, até agora. Encantada, extasiada, estimulada, inspirada. Passei nesta semana dois dias inteiros com 8 turmas de crianças de 4 a 6 anos, confesso que também terminei o dia bem cansada. Mas quando tem alegria e inspiração, não há cansaço que nos rebata. Minha criatividade pulsa, uma vontade de sair correndo, sentir o sol na cara. Crianças nos energizam e colorem as nossas almas.
As convidei para sentir sua respiração. “Quando estamos parados, estamos realmente parados? Algo se move na gente?”, entre muitas respostas, “Sim! O coração!” As convidei para perceber os próprios os corações e os corações uma das outras. Cada uma percebeu seu ritmo.
Nesta idade são crianças extremamente curiosas, ativas, brincalhonas, mas o mais incrível para mim, é que ainda acreditam na magia. Tudo pode. A imaginação não tem limites e a confiança no que tudo pode, tudo acontece.
Levei minha planta para apresentar a elas. Começam estranhando que minha amiga é uma planta, mas depois compram a ideia de tal maneira que querem até dar comida para ela e contam de suas amigas plantas. Perguntei se a planta também estava parada, ou se ela também tinha movimento... se respirava...será que ela tem um coração? O sim e o não entram juntos em coro em todas as respostas, porque tudo realmente pode.
O que a planta precisa para crescer? Quem dá o ar que a gente respira? E quem dá o ar a ela? Se precisamos um dos outros, quem é mais importante? Quando cuido de uma planta, estou cuidando de mim mesma, quando cuido de mim, estou cuidando de tudo em volta.
Plantar sementes com crianças é mais do que enfiar algo na terra, pois tudo reverbera. Levei sementes de girassol, elas manusearam, comeram, colaram e imaginaram... “Se comermos sementes vai nascer uma árvore dentro da gente?”
O que cabe dentro de uma semente? Uma gota, uma formiga, uma mexerica... Sim! Cabe tudo isso e uma grande árvore do tamanho de um prédio. Uau!!
“Vocês já viraram uma semente?” Toda semente tem tanta energia, e estas sementinhas que já são pequenos brotos conseguiam entrar em repousos de atenção, mas o tempo todo querem movimento, a imaginação as leva para muitos lugares ao mesmo tempo, os sentidos aflorados captam milhões de informações simultâneas. Toler isso é como dizer, não seja criança, não tenha 5 anos, aproveitar isso para o aprendizado é nosso desafio.
Um convite súbito como comando, “Todo mundo agora virou semente!” E detalhe, virei junto com elas uma semente, em segundos, me encolhi com a cabeça para o chão, quando trago os olhos para sala, todas estão sementes, e colocam os olhinhos curiosos para fora como quem diz “O que será que vai acontecer agora?”
Vocês gostam de música? Vocês gostam de histórias? Então agora vamos viver a história de uma sementinha. Trilha sonora encantada, começo a narrativa, improvisando com elas, a semente que dormia em uma terra fofinha e gostosa sente uma gotinha, acha uma delícia, mas fica com frio e procura o sol, para isso tem que ser forte, perfurar a terra, encontrar o céu. Como é forte uma sementinha!
“Que lindo é o céu azul, o sol, quero crescer mais!”. A plantinha vai crescendo, sente a chuvinha, a brisa, mas vem uma tempestade, a plantinha balança, balança, mas não cai, porque ela tem raízes fortes.
Alguns viraram árvores gigantes, muitos viraram flores. E é lindo de ver meninos escolhendo ser flores, meninas sendo grandes árvores. Todos e todas podem ser o que quiserem, não há limites nem preconceitos. E entre tempestades e ventanias, uma folha se escapa ao vento, sai voando e rodopiando, ali havia sementinhas que caem de novo no chão. Elas viram sementes novamente e por um instante toda sala repousa.
As sementes renascem, crescem, assim vamos formando uma floresta. Com elas os bichinhos em volta. Passarinhos e abelhinhas beijam as flores e espelham mais sementes, e cada turma trouxe uma bicharada. Gaviões, borboletas, macacos, gatos, cachorros, sapos, meninos borboletas, cobras, meninas onças, borboletas.
Mas vai anoitecendo e todos os bichinhos vão dormir. Novamente viram ovinhos, sementinhas... e voltam para terra, Terra. A confiança de que ali estamos seguros, no colo da mãe Terra.
Me emociono de lembrar as carinhas, a alegria, a curiosidade, a fantasia, a crença. Quando perguntei se podiam sentir embaixo dos pés suas raízes, alguns fecharam os olhos e se concentraram de verdade. Eles estavam realmente sentindo suas raízes. A grandissíssima maioria de nós, cresce sem percebê-las, sem perceber suas próprias raízes.
Nossas raízes nos trazem profundidade, base, conexão com a terra. Com a Terra. Fundamental para nossa relação de pertencimento. Somos parte de todo o planeta, somos a natureza. Naturalmente somos um grande organismo, respeitando a natureza de cada um, que cada um possa viver sua essência, onças, árvores, flores ou borboletas.
Se expressaram em belos desenhos. Alguns desenhos traziam histórias. O ciclo da semente ficou muito presente. Algumas sementes de girassol entraram na terra dos desenhos ou voando ao vento. O momento da sala, o tatame azul, eu e minha plantinha também aparecemos. “Tia, posso desenhar o animal que eu fui?” E lá estava a garotinha como onça em seu desenho, desenhando a sua história.
Dessa semente plantada, que frutos poderão nascer? Tudo que plantamos na primeira infância nasce, reverbera, para o resto de nossas vidas. Ainda que muita coisa se apague de nossas lembranças, as memórias estão registradas em nossos corpos e fazem parte do que somos.
Nossas células carregam memórias. Ainda que não lembremos, elas estão ali. E tomamos atitudes no mundo não só com base no que aparece em nossas mentes, mas do que está registrado em nossos corpos. A sementinha estará sempre ali, com você. Ela, a árvore que um dia você encontrou. Um encontro de verdade faz a diferença.
Os encontros de verdade requerem presença. A criança, em especial da primeira infância, está sempre presente. O nosso desafio como educadoras, mães, pais, é manter a presença com elas.
Reconhecer suas próprias raízes e conexão com a mãe Terra, também reverbera em reconhecer nossa ancestralidade, e as raízes de nossa árvore genealógica pode nos levar á profundas conexões de povos, raças, espaços tempos, qual o tamanho de nossas raízes?
Independente do tamanho, nada alcançamos sem reconhecermos o que nos liga a toda ela, e o respeito e conexão com nossas mães e pais, são fundamentais. Esta relação é muito estreita, o valor a quem nos dá a vida, o valor ao planeta, pertencimento, ser parte dê. Acolhimento, confiança, entrega.
Não conversei sobre ancestralidade com elas, mas as convidei a experienciar suas raízes, e como disse antes, a memória do corpo são sementes que estão ali e que um dia podem brotar e de cada um nascer o que eu for regado, flores, árvores, ervas medicinais, cactos, tudo sem o seu lugar.