10/17/2023

Histórias de Árvore - 508 Sul - Memória de Árvore

 




"Há dois momentos que eu me recordo sobre "memória de árvore". Quando criança, numa quadra da Asa Sul, próximo ao meu bloco, havia uma árvore que, por muitas vezes, foi considerada o ponto de encontro dos amigos da quadra. Subiamos todos os dais para conversar, rir, brincar... Era um momento de muita descontração e nos sentiamos seguros ali, ficávamos por muito tempo em cima daquela árvore! Um outro episódio, numa outra fase da infância e adolescência, eu e minhas primas, subíamos num pé de seriguela que havia no quintal da casa delas e lá brincávamos de um tipo de pique-esconde misturado com cobra-cega, fechávamos os olhos e tinhamos que, devagarzinho, subir de galho em galho, encontrar os amigos e falar o nome da pessoa, parecia um tanto perigoso, mas éramos muito acostumadas em subir ali e nos equilibravamos bem! Saudade daquele tempo! 

"Contamos ao Romeu que tanto o papai quanto a mamãe, passaram a infância indo para uma chácara e um sítio e neles haviam muitas árvores de fruta nos pomares, nas quais gostávamos de subir para nos divertirmos e também para comer diretamente do pé. Além dos pés de manga, carambola, ameixa, jambu, pitanga, jabuticaba, jatobá, jamelão, caju, seriguela, goiaba, amora e muitos outros, tinha também cavalo, porco, vaca, galinha, pato, codorna, cachorro e muitos bichos. 
No sítio da vovó Júnia passava um riacho que as crianças chamaram de "RIO PANELA", pois nele havia uma grande pedra com um buraco que se parecia muito com uma panela e a gente atravessava por dentro dela para seguir o curso da água. Foram dias muito felizes com esse contato preciosos com a natureza e tentamos sempre levá-lo a algumas fazendinhas para que possa ter vivências parecidas. Ele cuida da horta e molha as plantas sempre que vou a chácara do vovô ou à casa da vovó."


"Era uma tarde quente de verão, estávamos na chácara do meu pai, meu irmão, meu primo e eu. Estávamos entediados de fazer nada, tivemos então a ideia de explorar a mata que fica nos fundos da chácara, mas o medo de cobras e outros animais peçonhentos haviam nos afastado de lá. Mas neste dia, tomamos coragem e entramos mata a dentro. Foi muito emocionante, encontramos uma descida bem íngreme. Buscamos caixas de papelão e escorregamos. Brincamos lá a tarde toda e quando estava quase anoitecendo. voltamos para casa. Foi um dia muito divertido. 

Por de trás dos olhos - Memória de Árvore

 Memória de Árvore – CEEDV 

Entrar de mansinho, saber onde pisa, escuta aberta, perceber os caminhos. Assim entramos no CEEDV – Centro de Ensino Especial para Deficientes Visuais. Na primeira visita observamos o espaço, na segunda observamos as crianças brincando no parque, na terceira propomos uma atividade: Um percurso poético na natureza.

Neste ano com o projeto Memória de Árvore estamos com o PAPE – Programa de Atendimento Pedagógico Especializado, que atende crianças de 4 a 10 anos sob a coordenação de Jaqueline.

Para minha surpresa, que estou envolvida com o CEEDV desde 2018*, desta vez conheci verdadeiramente seu quintal, eu já conhecia a horta e o belo espaço que a envolve, e por isso pedi para a coordenadora me levar lá, mas simplesmente abriu-se um mundo, o quintal é uma Agrofloresta, aos cuidados do professor Antônio.

Entre bananeiras, milho, açafrão, mandioca, íris... o encantamento foi certeiro quando levei Rita de Castro (diretora da montagem) e Rossana Alves (orientadora do movimento somático). Era ali que tínhamos que fazer nossa primeira vivência com as crianças.

Qual é a nossa percepção quando caminhamos de olhos fechados, depois que conseguimos ultrapassar o medo e a insegurança e podemos dar a atenção aos outros nossos sentidos? Você já experimentou isso? Eu brinco disso as vezes, principalmente dentro de casa de noite. Mas em uma agrofloresta, apenas por segundos pude experimentar.

Abrimos a roda. Formamos uma roda de esteiras e tecidos em uma clareira, entre algumas árvores, muito perto da plantação de açafrão, íris, gengibre, e logo adiante um belo caminho em que predominavam as bananeiras. 

Na roda convidamos crianças e educadoras(es) a ouvir suas respirações e o coração antes de começarmos a caminhada. E as convidamos para manter a conexão com suas respirações e o coração enquanto caminhavam.

O Percurso era curto, mas havia tantas novidades em volta, as educadoras(es) que se propuseram a fazê-las tocar, pudemos juntas(os), proporcionar uma experiência emocionante. O rostinho da criança que tocava a interminável folha de bananeira me tocou profundamente. No final do caminho sombreado havia uma clareira bem ensolarada, algumas educadoras tinham o impulso de retornar imediatamente para protegê-las do sol, pedi, as deixem um pouquinho sentindo o sol. E uma das crianças com um sorriso no rosto dizia “É macio!”.

Eu estava na voz de comando que guiava o percurso, não eram ordens, eram convites. Algumas perguntas, sobre se ainda percebiam sua respiração, seus corações.” E agora, mudou a luz? Percebem o sol?” O calor macio da criança me encantou. 

Algumas das crianças possuem baixa visão, outras são totalmente cegas e muitas delas tem o espectro autista. 

O curioso para mim agora, enquanto eu escrevo este texto, é que tenho pouca memória visual da vivência, ficou para mim mais a sensação, o encantamento, a emoção, essas crianças nos ensinaram muito naquele dia.

Voltando á roda, eu já havia explicado antes que eu contaria uma breve história após a caminhada, separamos anteriormente algumas folhas que disponibilizamos neste momento para as(os) professoras(es) e pedimos para que nos ajudassem conforme ouvissem a história, Rossana, foi a auxiliar que fazia em mim o tato que sugeríamos que elas fizessem nas crianças durante a história.

“Entro descalça em um caminho de terra, a pele do meu pé recebia o chão, assim como a terra recebia todo o meu corpo. Percebo presenças em volta de mim, até que sinto um carinho delicado de folhas que passam tocando meu corpo. Sinto uma brisa suave que sopra em meu rosto, pauso...”

De improviso, narrei esta história que eu havia criado dias antes, enquanto pensávamos nesta vivência. Enquanto eu narrava, caminhava no centro da roda, quando me percebi, eu estava de olhos fechados. É incrível de como naturalmente fechamos os olhos quando queremos perceber com os nossos outros sentidos. E o quanto, fechar os olhos em pé ou principalmente caminhando, nos traz para o presente.

Estar presente, este é o convite. Imagine a sua vida de olhos fechados e o quanto de presença teria que ter para estar no mundo. Estas crianças cegas têm muito a nos ensinar. O nível de percepção aguçada de todos os outros sentidos. Agora abra os olhos e veja, o nível de impossibilidades que nossa estrutura social oferece para estas pessoas estarem no mundo.

Quando terminamos o percurso, uma das crianças com seus 9 anos de idade, falou, “Quero conhecer mais!” Pare quem vê com as mãos, tocar um ambiente como uma agrofloresta é como ler muitos livros ou navegar pela internet buscando plantas. 

Ver com as mãos é o que faríamos todos os dias a cada toque, se déssemos nossa atenção ao toque. Mas ainda sim, sem esta atenção, tudo o que tocamos nos registram memórias. Pois o toque é uma via de mão dupla, se tocamos, somos tocados.

Possíveis caminhos se plantam a cada dia.



“o brinquedo proveniente da experiência livre da criança em contato com a natureza é nossa porta de entrada rumo a essas reservas simbólicas da produção humana.” (51)



*o grupo Psoas e Psoinhas desde 2018 realiza projetos com o CEEDV, nestes anos anteriores foi com o Precoce, programa do CEEDV que atende bebês de 0 a 3 anos. O grupo levou apresentações de Amana – dança para bebês, oficinas de educação somática para educadoras(es), encontro de movimento com mães e bebês e conversa entre profissionais e famílias nos projetos “Inclusão desde o Berço” e Conexões pelo Movimento”.


Ensaio Imersão - Memória de Árvore

 Ensaio Imersão – 20/07/23

Tudo que planta, nasce.

Enquanto as folhas viajam secas, uma dança nasce em mim. Tropeço tentando acertar, desvios de trajetórias. Me escondo em mim, desvio o olhar, medo. No casulo me encontro, semente. Na semente a energia para saltar. Me metamorfoseio em sapo, coaxo. Cacho, planta. Afinal não é todo dia que se pare uma árvore. Reflorestamente. Do canto, do toque, células de mim escutam, comunicam, da avó árvore nasce a canção do que está por vir. Agora sim nasce, um novo ser com sua própria música. Nino, encanto. No ninhar do encontro brincamos, imaginamos, descobrimos. Descobrir, desvelar o que de mim há em você, o que de nós forma uma só canção. O que nós trazemos de tempos que nem se quer vivemos, o que nos é só nosso, só seu, só meu, e criamos o nosso tempo. Um pequeno mundo nasce a cada dia. Invento universos. Esqueço os caminhos. Recrio perguntas e respostas. Aprendo a escutar o segredo das coisas. A pedra me conta de que águas a levaram até ali, ela vai, eu fico. Os barcos passam, os passarinhos, passeios, piqueniques, crianças brincam, todos passam, eu fico. Se quem fica sou ou ela. Eu gente, ela planta. Plantamos juntas memórias. Raízes longas e profundas guardam nossos segredos. Desvelados em escutas em um outro, uma ou outra, sete cores, sete pedras, sete encontros. Encontro em mim sete importantes pontos, me organizo, alinho um ponto. Entre saudades, desejos e brincadeiras, apenas vivo o encontro. Tudo o que a gente planta nasce. A semente que não brota vira adubo. E assim me nutro, eu, ela, você. Assim me cuido te regando, da tua sombra respiro, respiro ela, ela respira você. Eu, ela, você, planta, gente, encanto. Para que separar o que tudo um dia foi semente e nasce de um encontro?


Escuto meu coração e deixo ele irrigar meus músculos cansados. Seu pulso reverbera e me move. Silencia a dor. Toco a árvore como quem escuta seu pulso. Topo da cabeça no tronco, pé na terra raiz. O sol acarinha macio o meu corpo. Ventania. Não teve mergulho no lago. Outros mergulhos nascem de diálogos. Mulheres, encontros étnicos, antropológicos. Memórias.


Um Jardim florido de diversidades - Memória de Árvore

JARDIM 308 SUL

01 de julho



Me sinto nutrida, até agora. Encantada, extasiada, estimulada, inspirada. Passei nesta semana dois dias inteiros com 8 turmas de crianças de 4 a 6 anos, confesso que também terminei o dia bem cansada. Mas quando tem alegria e inspiração, não há cansaço que nos rebata. Minha criatividade pulsa, uma vontade de sair correndo, sentir o sol na cara. Crianças nos energizam e colorem as nossas almas.

As convidei para sentir sua respiração. “Quando estamos parados, estamos realmente parados? Algo se move na gente?”, entre muitas respostas, “Sim! O coração!” As convidei para perceber os próprios os corações e os corações uma das outras. Cada uma percebeu seu ritmo.

Nesta idade são crianças extremamente curiosas, ativas, brincalhonas, mas o mais incrível para mim, é que ainda acreditam na magia. Tudo pode. A imaginação não tem limites e a confiança no que tudo pode, tudo acontece.

Levei minha planta para apresentar a elas. Começam estranhando que minha amiga é uma planta, mas depois compram a ideia de tal maneira que querem até dar comida para ela e contam de suas amigas plantas. Perguntei se a planta também estava parada, ou se ela também tinha movimento... se respirava...será que ela tem um coração? O sim e o não entram juntos em coro em todas as respostas, porque tudo realmente pode.

O que a planta precisa para crescer? Quem dá o ar que a gente respira? E quem dá o ar a ela? Se precisamos um dos outros, quem é mais importante? Quando cuido de uma planta, estou cuidando de mim mesma, quando cuido de mim, estou cuidando de tudo em volta.

Plantar sementes com crianças é mais do que enfiar algo na terra, pois tudo reverbera. Levei sementes de girassol, elas manusearam, comeram, colaram e imaginaram... “Se comermos sementes vai nascer uma árvore dentro da gente?”

O que cabe dentro de uma semente? Uma gota, uma formiga, uma mexerica... Sim! Cabe tudo isso e uma grande árvore do tamanho de um prédio. Uau!!

“Vocês já viraram uma semente?” Toda semente tem tanta energia, e estas sementinhas que já são pequenos brotos conseguiam entrar em repousos de atenção, mas o tempo todo querem movimento, a imaginação as leva para muitos lugares ao mesmo tempo, os sentidos aflorados captam milhões de informações simultâneas. Toler isso é como dizer, não seja criança, não tenha 5 anos, aproveitar isso para o aprendizado é nosso desafio. 

Um convite súbito como comando, “Todo mundo agora virou semente!” E detalhe, virei junto com elas uma semente, em segundos, me encolhi com a cabeça para o chão, quando trago os olhos para sala, todas estão sementes, e colocam os olhinhos curiosos para fora como quem diz “O que será que vai acontecer agora?”

Vocês gostam de música? Vocês gostam de histórias? Então agora vamos viver a história de uma sementinha. Trilha sonora encantada, começo a narrativa, improvisando com elas, a semente que dormia em uma terra fofinha e gostosa sente uma gotinha, acha uma delícia, mas fica com frio e procura o sol, para isso tem que ser forte, perfurar a terra, encontrar o céu. Como é forte uma sementinha!

“Que lindo é o céu azul, o sol, quero crescer mais!”. A plantinha vai crescendo, sente a chuvinha, a brisa, mas vem uma tempestade, a plantinha balança, balança, mas não cai, porque ela tem raízes fortes. 

Alguns viraram árvores gigantes, muitos viraram flores. E é lindo de ver meninos escolhendo ser flores, meninas sendo grandes árvores. Todos e todas podem ser o que quiserem, não há limites nem preconceitos. E entre tempestades e ventanias, uma folha se escapa ao vento, sai voando e rodopiando, ali havia sementinhas que caem de novo no chão. Elas viram sementes novamente e por um instante toda sala repousa.

As sementes renascem, crescem, assim vamos formando uma floresta. Com elas os bichinhos em volta. Passarinhos e abelhinhas beijam as flores e espelham mais sementes, e cada turma trouxe uma bicharada. Gaviões, borboletas, macacos, gatos, cachorros, sapos, meninos  borboletas, cobras, meninas onças, borboletas.

Mas vai anoitecendo e todos os bichinhos vão dormir. Novamente viram ovinhos, sementinhas... e voltam para terra, Terra. A confiança de que ali estamos seguros, no colo da mãe Terra.

Me emociono de lembrar as carinhas, a alegria, a curiosidade, a fantasia, a crença. Quando perguntei se podiam sentir embaixo dos pés suas raízes, alguns fecharam os olhos e se concentraram de verdade. Eles estavam realmente sentindo suas raízes. A grandissíssima maioria de nós, cresce sem percebê-las, sem perceber suas próprias raízes. 

Nossas raízes nos trazem profundidade, base, conexão com a terra. Com a Terra. Fundamental para nossa relação de pertencimento. Somos parte de todo o planeta, somos a natureza. Naturalmente somos um grande organismo, respeitando a natureza de cada um, que cada um possa viver sua essência, onças, árvores, flores ou borboletas.

Se expressaram em belos desenhos. Alguns desenhos traziam histórias. O ciclo da semente ficou muito presente.  Algumas sementes de girassol entraram na terra dos desenhos ou voando ao vento. O momento da sala, o tatame azul, eu e minha plantinha também aparecemos. “Tia, posso desenhar o animal que eu fui?” E lá estava a garotinha como onça em seu desenho, desenhando a sua história.

Dessa semente plantada, que frutos poderão nascer? Tudo que plantamos na primeira infância nasce, reverbera, para o resto de nossas vidas. Ainda que muita coisa se apague de nossas lembranças, as memórias estão registradas em nossos corpos e fazem parte do que somos.

Nossas células carregam memórias. Ainda que não lembremos, elas estão ali. E tomamos atitudes no mundo não só com base no que aparece em nossas mentes, mas do que está registrado em nossos corpos. A sementinha estará sempre ali, com você. Ela, a árvore que um dia você encontrou. Um encontro de verdade faz a diferença.

Os encontros de verdade requerem presença. A criança, em especial da primeira infância, está sempre presente. O nosso desafio como educadoras, mães, pais, é manter a presença com elas. 

Reconhecer suas próprias raízes e conexão com a mãe Terra, também reverbera em reconhecer nossa ancestralidade, e as raízes de nossa árvore genealógica pode nos levar á profundas conexões de povos, raças, espaços tempos, qual o tamanho de nossas raízes?

Independente do tamanho, nada alcançamos sem reconhecermos o que nos liga a toda ela, e o respeito e conexão com nossas mães e pais, são fundamentais. Esta relação é muito estreita, o valor a quem nos dá a vida, o valor ao planeta, pertencimento, ser parte dê. Acolhimento, confiança, entrega.

Não conversei sobre ancestralidade com elas, mas as convidei a experienciar suas raízes, e como disse antes, a memória do corpo são sementes que estão ali e que um dia podem brotar e de cada um nascer o que eu for regado, flores, árvores, ervas medicinais, cactos, tudo sem o seu lugar.