10/07/2016

Uma Pausa, um toque, um silêncio.

Uma PAUSA, um toque, um silêncio
Por Katiane Negrão

PAUSA é como chamamos o workshop, uma Proposta de Auto Cuidado, Silêncio interno e Afeto - dentro e fora da sala de aula, oferecido às educadoras das creches abraçadas pelo processo Amana.
Até então tivemos três experiências, e tenho que confessar, uma mais surpreendente e emocionante que a outra. É quando você constata o valor do simples.
A importância de uma Pausa em um expediente de trabalho, e principalmente quando este trabalho requer a relação com o outro, o trato, o cuidado, a importância se estende do profissional a todas as outras pessoas deste convívio.
Mas mais do que a quantidade de Tempo desta Pausa, quisemos tratar da qualificação deste Tempo. Do que pode verdadeiramente nos contribuir no espaço de tempo entre uma atividade e outra. Seguramente não é ficar na internet, não quando estamos falando dos benefícios desta pausa para o nosso bem estar.
Propusemos fechar os olhos, ouvir os sons, entrar em contato com a própria respiração, tocar os pés, caminhar, tocar o outro. Ações simples, mas que só tem uma verdadeira eficácia se realmente centramos mente e corpo, se verdadeiramente estamos presentes, nos percebendo, para percebermos o outro.
Foi um encontro de muita receptividade por parte das educadoras, muito afeto, uma troca em que saí me sentindo acariciada e segura de que nossa proposta foi um colo, para estas mulheres que passam o dia todo emprestando seus colos para tantos bebês que não saíram de seus ventres.
No bate papo após o workshop, parte integrante do mesmo, nos retornaram dizendo que sentiam-se mais leves, mais relaxadas, que perceberam o quanto cuidar delas mesmas é importante para poder cuidar do outro, e o quão pouco fazem isso.
Nos agradeceram a proposta de silêncio interno, e que podemos nos comunicar com menos palavras. Alguns relatos pareciam poesia: “ Nossa, eu nunca tinha reparado tão bem no canto deste sabiá, ele parecia estar cantando dentro do meu ouvido”. Posso ter trocado algumas palavras, mas foi assim que se manifestou uma delas, sobre os pássaros que sempre estiveram ali.
Nós, Psoas e Pssoinhas, também saímos mais leves e felizes das sementes que estamos plantando, do caminho que estamos trilhando, e do aprendizado recebido.

10/06/2016

ÁGUA

Água, AMANA, Cachoeira…
por Susana Prado

    Esse bloco de trabalho foi destinado a ensaios, ajustes de figurino e ensaio fotográfico para fotos de divulgação do projeto e organização de cronograma de apresentações em creches e em teatro.
    Nos ensaios estivemos revendo cenas, aprimorando movimentos e lapidando transições. Também ousamos estudar possibilidades de alterar número de interpretes em cena, já que Susana e Julieta são mães e Katiane e Julia também possuem agendas intensas de outros trabalhos.
Esse estudo tem sido rico, pois está possibilitando vermos as cenas, os movimentos, a magia do espetáculo e também  crescimento, ao assumir o papel da outra.
    Quanto aos figurinos, que estão prontos, usamos para ensaios e ver quais os ajustes são necessários para nossos corpos dançantes.
    As fotos demandaram bastante trabalho. Optamos por um lugar com águas e cachoeiras, já que nossa pesquisa corporal passa pela vida intra-uterina, aquática, pelo parto e também pelo poder das águas e chuva. O nome do espetáculo foi escolhido por ter o significado de CHUVA, em Tupi-guarani: AMANA
    O Body - Mind Centering®, técnica que utilizamos como preparação corporal também traz nossa percepção para nosso mar interno, fluidos, fluxos corporais e elementos aquáticos. Durante nosso processo criativo, tivemos a oportunidade de estar ensaiando em um local com natureza abundante (Espaço Velejarte) o que possibilitou acessarmos nossas sensações internas mais profundamente. Os pés na grama, a sensação do vento no corpo que dança, que expande, o sol e a chuva presentes em nossos dias de ensaios. Quisemos, ao fotografarmos na natureza, expressar a essência de nosso espetáculo. Também vimos como uma possibilidade de trazer à tona a reflexão da importância do contato com a natureza na Primeira Infância.
“Ao brincar com a natureza, a criança entra em contato com as forças primordiais que sustentam a vida e nutrem esse inesgotável fluxo. E essa experiência do brincar permite que ela faça a conexão, que ela se transporte desde o universo natural de onde emergiu para o cultural onde nasceu. Assim é que ela vai entendendo o mundo.” Rita Mendonça, autora do blog, “Ser Criança é Natural”: http://conexaoplaneta.com.br/blog/a-natureza-em-nos-a-imaginacao-criadora-e-a-intuicao/





ARTE E EDUCAÇÃO

CONEXÕES EM MOVIMENTO
Por Susana Prado
   
 Esse bloco foi muito especial! Foi o momento que decidimos apresentar nossa semente de espetáculo em 3 creches para termos devolutivas de como estava caminhando nosso trabalho para um espetáculo de bebês.
    Com o primeiro roteiro pronto, pudemos experienciar  e compartilhar nossa dança com os bebês.
    A primeira apresentação ocorreu na creche Canarinho da Asa Norte. Foi um momento mágico poder compartilhar com os bebês nossa pesquisa. Eles ficaram atentos, se manifestaram com olhares, risos, babas, respirações, suspiros e até estranhamento de alguns.
    Todos ficaram exatos 30 minutos, sentados nos assistindo, foi lindo, fluido, uma troca de energia. Foi leve.
    Fizemos alguns ajustes em relação ao roteiro, espaço, e figurino. Fomos então para nossa segunda creche, também na asa norte, Creche Mamãe Canguru. Chegamos na creche e fizemos o espetáculo numa pequena sala ao subsolo com os bebês. Foi um espetáculo completamente diferente: os bebês sentiram-se a vontade para estar ao palco conosco. Foi interessante em termos de pesquisa. Tanto, por ser uma oportunidade de experienciar realmente a interação durante uma aula-espetáculo, e nesse caso , especificamente, veio realmente o desejo da interação com os bebês para além do estado contemplativo. Essa creche e a sensação que tivemos aos apresentarmos lá nos plantou a semente do lúdico, da brincadeira, de uma nova interação baseada no toque e no sensível. Traçamos uma nova poesia dançada.
    Foi, ainda extremamente interessante, pela oportunidade de percebermos a importância da influência da arquitetura, do espaço, da atmosfera e da acústica na aula-espetáculo.
    Muitas creches, temos percebido, não se preocupam com essas questões em relação aos bebês. Também não há consciência quanto à necessidade que os bebês têm de ar livre e natureza para bem se desenvolverem. Os bebês estão completamente ligados à natureza, sentem-se parte dela.
    A possibilidade de levar arte, no nosso caso DANÇA,  às creches significa conectar, dialogar e até mesmo fundir a Cultura e Educação em um só movimento.
    Arte é expressão, é autoconhecimento, é um permitir-se curar de nossas angustias ao mesmo tempo que sente livre para voar em mundos desconhecidos, impossíveis improváveis. É o encontro com o divino na sua mais bela forma de expressão. É de fato educação!

“Mas voltemos às razões por que devemos ensinar artes na escola, conforme Eisner. ao praticarem atividades artísticas, os alunos também aprendem que ‘alegria’, ‘raiva’, ou ‘poder’, por exemplo, podem ser simbolizados pelas imagens, sons, gestos, movimentos e palavras que criam. E que as artes visuais, a música, a poesia, a dança ou teatro são formas de expressão diferentes, mas não inferiores ao conhecimento cientifico,…” Concepções e Práticas Artísticas na Escola, C.M.C. Almeida, In O Ensino da Artes: Construindo Caminhos/ Sueli Ferreira (org.), Campinas-2001.
   
    A terceira apresentação que fizemos foi na creche Maria de Nazaré, em Samambaia Norte. Fizemos duas apresentações, uma para 60 bebês e outra para 60 crianças de 4 e 5 anos. Tivemos o intuito de experimentar como seria a resposta ao espetáculo com crianças mais velhas também, já que nossa pesquisa envolve a primeira infância como um todo.
    A apresentação para os bebês fluiu com muita leveza, ludicidade e boa resposta tanto por parte dos bebês quanto das educadoras. Nessa apresentação pudemos unir a  contemplação pela dança por parte dos bebês e a interação deles no fechamento do espetáculo. Ao fecharmos o ciclo contemplativo, abrimos o espaço com olhares e intenções  para os bebês, rapidamente estávamos dançando com os bebês no espaço cênico. Pudemos, nessa interação, vivenciarmos nosso projeto-oficina Baby Jam, que consiste nos princípios do contato–improvisação. Uma dança que se dá na relação da troca de peso, na escuta do outro e explora a dança pelo toque, pelo contato, pelo chão, pelo som, pela brincadeira e pelo ritmo para libertar o movimento espontâneo em um momento lúdico de improvisação e dança entre bebês e bailarinos.
    A segunda apresentação, com as crianças mais velhas, foi bem intensa. Os sons e os movimentos emanaram muita energia das crianças nos colocando em uma situação de grande atenção. Pudemos perceber que para proporcionarmos o estado contemplativo de uma dança que estrapola os limites cênicos, já que estamos no mesmo nível e plano das crianças, precisamos de muita energia cênica e comando nos olhares e nos movimentos para não perdemos o controle da empolgação das crianças. Tudo correu bem e as crianças não invadiram o espaço, se envolveram profundamente. Uma experiência e tanto!
    Saímos de Samambaia com bastante material para darmos continuidade ao nosso trabalho de ensaios e lapidação. 






   

Body - Mind Centering®



Do Movimento Interno ao Corpo Animado

Body - Mind Centering® e o corpo pré-expressivo do ator e manipulador


Por  Katiane Negrão

Sou uma artista do corpo, minha trajetória inclui a dança contemporânea, contato improvisação, teatro, teatro de animação e o canto. A educação somática vem integrar todas estas expressões artísticas em sua base, no corpo pré-expressivo, no antes de querer ou fazer algo, estar comigo mesma.

Escolhi a formação como Educadora do Movimento Somático em Body - Mind Centering® atraída por este convite, de darmos um tempo para si mesmas, de demorar-se. Recém formada, é apenas o início de uma jornada, pois como diz Bonnie ao introduzir suas apostilas, “ Para compreender e assimilar todo o conteúdo serão necessárias, durante os próximos anos, muitas horas de estudo e exploração individual dos princípios e técnicas aqui descritos.”

 Dentre as minhas áreas de atuação, meu trabalho artístico e minha pesquisa como educadora do movimento tem se desenvolvido principalmente através da TATO Criação Cênica, cia da qual sou integrante fundadora. Há 11 anos desenvolvemos uma pesquisa em teatro de animação corporal (teatro feito com partes do corpo, onde o próprio corpo é o boneco), dramaturgia física (não verbal), acompanhada de uma dramaturgia sonora vocal (fala dos personagens em grammelot (linguagem inventada) e trilha sonora executada ao vivo).

Por termos uma linguagem muito específica, desde o início do grupo somos convidados à ministrar oficinas. A primeira delas, que eu e Dico Ferreira vimos desenvolvendo até hoje, intitula-se “Em Busca de Uma Dramaturgia Física- no teatro de animação”. A outra, desde que iniciei a formação em Body - Mind Centering® , “Do Movimento Interno ao Corpo Animado - consciência corporal para bonequeiros”. Ambas partem de um preparo de consciência corporal do ator/manipulador, mas nesta última o foco é o corpo pré-expressivo do ator manipulador e a conexão com o corpo animado (boneco).

O processo didático em busca deste corpo consciente, sob minha responsabilidade na Tato, vem se modificando nestes anos, se construindo conforme as experiências pessoais de escuta corporal nas abordagens que tenho me dedicado. Sob a ótica de um aprendizado adquirido das professoras e professores de Body - Mind Centering® , e que pra mim é de extrema importância na relação professor/aluno: “passe a diante o que faz sentido pra você”.  O que faz sentido para seu corpo, o que você experienciou e absorveu, algo que de fato faça parte do seu aprendizado integral, ainda que este não seja um ponto de chegada, mas o ponto de partida para um caminho de descobertas.

Dos princípios do Body - Mind Centering® , os Padrões Neurocelulares Básicos (PNB) tem sido parte integrante de minhas propostas de investigação. Os PNB são padrões de movimento inerentes ao sistema nervoso, numa perspectiva evolutiva do desenvolvimento ontogenético (bebê humano) e filogenético (do reino animal). A Vibração e a Respiração Celular, os primeiros destes padrões, são a base de construção de meu corpo pré-expressivo como artista e das minhas propostas em oficinas.

A respiração celular em si é este convite ao estar junto, o estar com suas próprias células, nos proporciona um estado de presença que permite percebermos a parte e o todo. Respirar integralmente e ter consciência de cada célula nos permite mapear o corpo como um todo, perceber onde há menos fluidez e oxigenar onde está mais rígido.

A respiração celular também contribui para o nosso fluxo de energia, para a fluidez e percepção de nosso campo vibratório, dentro e no entorno do corpo. Inerente à todos os seres deste planeta, a Vibração faz parte de todos os corpos, todos somos feitos de onda, todos somos atraídos pela força da gravidade para o centro da terra, e todos temos o rebound (retorno, a repercussão) de uma outra força, atração e repulsão constantes. Se não fosse esta força anti-gravitacional, estaríamos simplesmente achatados na terra pela gravidade.

A prática da consciência destes dois Padrões (PNB), Respiração Celular e Vibração, tem ampliado significativamente a minha propriocepção, que é a capacidade de percepção do corpo no espaço, a sua posição e orientação. Pratico sempre respiração celular antes de entrar em cena, busco esta percepção durante a cena e é a base para eu iniciar um processo de oficina e/ou investigação.

Tendo como suporte estes dois padrões, numa oficina, sigo com o Padrão Irradiação Umbilical, e quando o tempo permite, considerando a carga horária diária quase sempre restrita, utilizo também os padrões de transição, Pulsação e Esponja.

A Irradiação Umbilical, nos dá a consciência de nosso centro (umbigo) em conexão com nossas extremidades (cabeça, cóccix, mãos e pés). Através do constante movimento de condensação e expansão de todo o corpo, vivenciado quando centramos-nos em nossa respiração, ou em nossa pulsação, o bombeamento dos fluidos que percorrem todo o nosso corpo, podemos experienciar nossa tridimensionalidade integrando a percepção de centro/ periferia, expandida da célula ao entorno do corpo.

A partir destes princípios, exponho a condução de uma aula: Inicio com um relaxamento em que  as pessoas estejam deitadas em posição de estrela, ou em algum momento as  convido para esta posição, para que levem suas consciências à respiração celular do corpo como um todo e tomem consciência de seu centro (umbigo), e que centrando corpo e mente, tracem os caminhos de conexão deste centro com cada extremidade, uma por uma, sempre voltando para o centro e em seguida, a partir da percepção da pulsação, deixem que esta se amplie do micro movimento até chegar ao macro, percorrendo movimentos contínuos, ao traçar retas, diagonais e triângulos interligando estas extremidades no ciclo entre ceder/empurrar, trazer/alcançar.

Deste percurso, muitas vezes já conduzo para a posição em pé e trabalho estas relações buscando o aterramento dos pés em conexão com a calda (cóccix) que aponta para o chão, o centro que expande tridimensionalmente para deixar fluir o rebound retorno, repercussão) da força anti-gravitacional da terra, até e para além da cabeça que flutua (alcança) e as mãos integradas ao braço/escápula/clavícula/coluna/centro, explora, sem perder o seu eu (o olhar interior), o que está em volta, seu espaço interpessoal, a manipulação de sua própria energia/espaço até chegar no outro (objeto e/ou ator e/ou espectador).

Este é um exemplo de um processo de preparação corporal, para daí partir para qualquer outra coisa, seja construir um personagem, uma partitura de ação, a prontidão para o jogo ou improviso, criar uma forma animada ou animar um objeto. Estar consigo mesmo para poder estar inteiro para e com o outro. Acordar a escuta corporal para que o corpo pense, mova-se, responda aos estímulos por si só, pronto, relaxado e atento para o improviso.

A percepção radial do corpo é, não só importante para o ator/manipulador, mas para como compor o corpo do objeto/boneco, mesmo que este seja uma fragmentação de seu próprio corpo, como fazemos na TATO. Esta percepção do centro, base aterrada (ceder/empurrar) e cabeça que flutua (alcançar/trazer), é essencial para que o manipulador trace uma percepção de si mesmo e encontre uma boa posição com base, fluidez e mínimo esforço, para que sua energia flua de seu corpo para o boneco e ele possa posicioná-lo e movê-lo com a mesma eficiência, partindo dos mesmos princípios.

Ceder/empurrar e trazer/ alcançar são princípios que dão suporte à todos o Padrões Neurocelulares Básicos relacionados aos vertebrados, ou seja, à nossa fase pós uterina. Para empurrar-se é necessário ceder o corpo e assim sentir o retorno da força anti-gravitacional, possível quando nos entregamos de fato à gravidade. E quando alcançamos qualquer movimento no espaço, se não o interrompermos, inevitavelmente o trazemos de volta pra si, de encontro ao nosso eixo axial, ao centro do corpo.

Quando incluímos estes princípios, ceder/empurrar, alcançar/trazer, em qualquer tipo de treinamento, partitura de movimento,  do ator, manipulador ou não, ou do dançarino, podemos observar o quanto ele cria uma dinâmica de mínimo esforço na eficiência do movimento.

As práticas do Body - Mind Centering® são em sua essência propostas de escuta corporal, vincular este aprendizado à uma outra prática que exige mais da atenção externa, da prontidão, do jogo, é o caminho de pesquisa que tenho me proposto para a preparação do artista cênico. Esta capacidade de não desconectar-se de si e utilizar esta presença para estar com o outro, manter o olhar interno com a atenção externa ou mantermos a atenção interna com a visão do que está em volta. A relação simultânea em conexão consigo mesmo e o outro.

Encontrar o equilíbrio desta relação em cena, considero uma grande chave para conquistar um estado de presença, atenção interna simultânea à externa. Como artista cênica tenho exercitado esta relação principalmente nas apresentações do espetáculo Tropeço *. Espetáculo de teatro de animação que possui duas personagens, cada uma delas são as mãos de um ator, apesar de um roteiro bem definido, dentro da partitura de ações nos damos espaço para o improviso. Estou em cena aberta ao jogo com o público e com a outra personagem, e ao mesmo tempo praticando respiração celular, mapeio como está o meu corpo como um todo e posso perceber se estou criando algum apoio desnecessário que possa estar impedindo o meu fluxo de energia e fluidez de movimento até as mãos. Sinto minha vibração do meu centro para periferia e busco expandi-la por todo o espaço, assim como o som que emito vocalmente, sinto que ele vibra em todo meu corpo e sai pelas minhas mãos personagem e expande-se por toda sala.

Este é um caminho de pesquisa individual ao qual tenho-me proposto neste espetáculo, em busca do estado de presença e da reverberação da minha energia como artista no espaço circunvizinho. Esta prática também está vinculada a uma outra abordagem somática que pratico desde 2007, o método Co.R.Po, Consciência Resperatória Postural,  de Wilson Sagae.

A educação somática inserida em processos criativos, já pode ser um lugar comum entre muitos profissionais da dança, entre alguns processos para atores, mas ainda está bem distante da maioria dos bonequeiros. Levar a importância da consciência corporal no teatro de animação é um dos meus focos como artista e educadora do movimento. Esta distancia se dá devido à própria história, a maioria dos bonequeiros  derivam das artes visuais, o foco está na construção, no boneco e não no próprio corpo. Ainda que assim podemos ver bons resultados, é comum espetáculos com bonecos lindos e manipulação pouco convincente.

Tenho percebido bastante diferença nos resultados em oficina. Quando não dedica-se a um preparo de corpo antes de um improviso, o aluno/animador vai com certa ansiedade para o boneco, o movimenta demais, como se com muitos movimentos alcançasse sua expressividade. Após um trabalho a partir da educação somática, como o exemplificado anteriormente, o encontro com o boneco se dá diferente, este apresenta-se mais vivo, com menos movimentos, mas cada gesto se torna grande,  podemos perceber a sua respiração, seguramente porque o animador foi estimulado a estar ciente da própria respiração e em conexão com o boneco/objeto manipulado.

Esta conexão, o contato entre animador e objeto animado, pode ser mais profunda se estimularmos a percepção do tato, como perceber o material que constitui um objeto/boneco. Para este estímulo, tenho proposto a partir do Sistema Esquelético, em reconhecer as nuanças e texturas das camadas do osso através de um refinamento do toque.

O Toque é um dos princípios de experiência que Bainbridge nos propõe, o toque/respiração celular, por exemplo, é um toque base, que uso para introduzir todos os outros toques propostos pelo BMC para as diferentes estruturas de cada sistema anatômico. O toque celular é o toque da presença, o toque do não fazer, onde o corpo recebe a informação, não como vinda de fora, mas como um novo olhar sobre si mesmo, uma comunicação celular percebida como um estado de presença estendido, ampliado de suas próprias células, a percepção de unidade com o outro.

Estabelecer uma comunicação a partir do tato, é um refinamento da escuta dos corpos, do próprio corpo para perceber o corpo do outro, do corpo do outro para perceber a si próprio. Comunicação que não se restringe à uma parte localizada do toque, mas à percepção de como ele reverbera em todo corpo, em ambos os corpos. Outro princípio básico, quando tocamos alguém, nós também somos tocados, inevitavelmente. Tocar é uma via de mão dupla.

Descrevo aqui alguns comentários de alunos, após uma aula que envolveu: respiração celular, toque/respiração celular, toque para a diferenciação das três camadas do osso, percepção das articulações.

“Eu sentia muito o ressoar o toque da pessoa, até quando ela já tinha passado eu ainda sentia, e você começa a prestar mais atenção onde estão suas tensões. É interessante você perceber o outro te percebendo, e você perceber o outro e te perceber percebendo. O ressoar do toque do outro ficou martelando quando fui pegar no boneco, eu parei mesmo pra pensar enquanto estrutura, pra sentir ele enquanto estrutura, pra tocar e ser tocado pelo boneco; As vezes a sensação que a gente tem do próprio corpo não é exatamente o que o corpo é; Eu nunca tinha pensado o quanto é fundamental trabalhar o corpo, a percepção, pra trabalhar com o objeto.” (Alexandre Reis, bonequeiro, ator e diretor.)

“Eu fiquei pensando o estado de presença que você alcança, trabalhando por exemplo, o que vc trouxe inicialmente, a respiração. Eu estava manipulando o boneco e estava realmente fazendo isso, se eu não tivesse feito este exercício antes, talvez eu tivesse pensando em outra coisa. E conhecer a própria articulação e brincar com a do boneco, você amplia as possibilidades de jogo.” (Panmella Ribeiro, atriz e contatista)

Este foi um workshop de dois dias de duas horas, e fazia parte da 8a Mostra de Teatro de Bonecos realizada pela Cia. Navegante em Mariana/MG. Pude emprestar de Catin Nardi, diretor da cia e da mostra, alguns bonecos de manipulação direta (manipulação que se faz tocando diretamente o boneco, que normalmente necessita de três manipuladores para um só boneco).

Após a primeira hora de trabalho de corpo com princípios do BMC, com o foco no Sistema Esquelético, improvisamos com o boneco. Manipular um mesmo boneco em três, exige muita sincronicidade e fiquei de fato, impressionada e feliz com o resultado de tão poucas horas. As partituras de movimento tinham precisão e fluidez, havia clareza e limpeza nos gestos, manipuladores e bonecos presentes.

No último dia, ainda propus um experimento, cada trio escolhia uma camada do próprio osso para estar com ela (periosteo ou osso compacto ou tutano), para conectar-se enquanto manipulava o boneco repetindo a partitura de ação já estabelecida. Relataram que foi um pouco complexa manter a atenção dentro (no próprio osso) e fora (boneco), mas foi muito interessante perceber o resultado, havia  diferença, mudava a qualidade do movimento e a presença, e foi apenas um exercício de oficina.

Deste experimento, o artista pode escolher  qual qualidade é mais interessante para tal personagem, ou tal partitura de movimento, e a partir de um trabalho já desenvolvido  no nível da pré-expressividade, um suporte interno para chegar na qualidade desejada, suporte de um Sistema, de uma camada deste sistema, como por exemplo, escolher o Sistema Esquelético e dentro deste sistema a camada interna do osso, o tutano.

Para uma cena específica em uma residência artística em que a Tato foi convidada para a orientação corporal num processo criativo, em que contribuímos na construção da dramaturgia física, com técnicas do teatro de animação e utilizei também os princípios do Body - Mind Centering® , convidei um dos atores para um processo individual, em que utilizei o Padrão (PNB) Mouthing (boca-oral).

Este Padrão nos dá a primeira percepção de verticalidade no corpo através do sistema digestório, a relação boca- ânus, a boca como a extremidade que alcança a cabeça no espaço, que busca, o sentido com o qual começamos a perceber o mundo.
Estávamos com dificuldade em definir a movimentação de uma cena, em que o ator tinha que tirar a máscara e a roupa/túnica que o cobria, e abaixo ele era uma drag queen que dublava um texto que satirizava uma passagem da Bíblia, esta cena era um recorte na dramaturgia que utilizava o texto Oración,  de Fernando Arrabal.

 Havia muitos movimentos e ainda estava muito artificial. A relação boca-ânus, deu um foco pra boca que trazia certa sensualidade enquanto dublava, e ele mantinha uma verticalidade a partir de um suporte interno que vinha desde o ânus, e o personagem precisou de pouca movimentação para dar a carga que pedia a cena.

Alguns meses após a estreia, numa segunda temporada da peça,  escrevi para o ator e perguntei como foi a apresentação e esta cena em específico, se ainda fazia sentido o trabalho que havíamos feito, ele respondeu:

" Então, posso dizer que  o trabalho boca ânus é a espinha dorsal da personagem, ele além de estímulo motor é a percepção corporal da personagem, algo que se aciona nestes dois pontos põe o meu corpo no registro dela. Por isso que digo que quanto mais eu firmar esta base mais eu conseguirei a periferia da personagem, mais ela se tornará fluida." (Nícolas Torres Lopes, ator da Cia. Repertório, de Vitória - ES)

São tão diversos os caminhos que o corpo nos possibilita e o Body - Mind Centering® não nos oferece uma resposta de qual devemos seguir, não é um método, é uma abordagem e aborda o corpo como um universo de possibilidades, nos oferece meios de conhecer e reconhecer cada estrutura em nós mesmo e assim no corpo do outro.

Vale a pena lembrar que este é o olhar HOJE do meu corpo agora e dos corpos com os quais tive contato. Daqui há anos, meses ou até mesmo dias, as palavras já seriam outras, pois mesmo repetindo a experiência, o material pesquisado – o corpo vivo nunca será o mesmo. Devido à qualidade tácita que a vivência somática nos proporciona, estas são apenas tentativas em palavras de expressar a experiência vivida.